Nessa mesma conversa, um funcionário do controle de tráfego questiona um piloto da Azul sobre as luzes. Ele responde que “são três luzes girando em espiral entre elas aqui bem forte” e que elas “estavam bem mais altas que a gente e na nossa proa durante o voo todo”.
O comandante Daniel Medina Guimarães, 56 anos, contou ao colunista de GZH Rodrigo Lopes que avistou as luzes na noite de 4 de novembro, no momento dos procedimentos para pouso no Aeroporto Salgado Filho. Ele disse que pensou que fosse um satélite, mas que “aquilo foi aparecendo constantemente”, e deu mais detalhes sobre o que viu:
— Uma luz muito forte, uma intensidade muito mais forte do que qualquer luz que a gente conheça. E com cores: em determinados momentos, um branco muito vívido, e em determinados momentos, umas luzes em uma cor misturada entre o vermelho e o verde. O que chamou atenção é que começaram a aparecer sempre no mesmo lugar e em movimento circular. Pareciam duas luzes, uma vinha, enquanto a outra ficava mais fraca. Em seguida, as duas ficavam fracas. Daqui a pouco, uma delas ficava mais forte.
A maioria dos relatos descreve o avistamento das luzes ao se aproximar de Porto Alegre. Pilotos citaram a região da Lagoa dos Patos, da serra gaúcha e de Torres, no Litoral Norte. Além do RS, as luzes foram vistas em Santa Catarina e, conforme um piloto do voo 4657, da Azul, em 5 de novembro, os objetos luminosos foram observados desde Confins, em Minas Gerais.
Até o momento, especialistas não sabem afirmar com absoluta certeza qual é a origem das luzes descritas pelos pilotos. Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta, o presidente do Movimento Gaúcho de Ufologia (MGU) e coordenador do Grupo Aldebaran de Investigações e Debates Ufológicos (Gaedu) Odone da Costa afirmou que provavelmente estamos diante de uma onda ufológica, que é uma sucessão de eventos onde o foco são essas luzes, que são chamadas de objetos voadores não identificados pela sociedade ufológica.
— Isso não significa que nós estamos diante de algo de origem de fora da Terra, muito embora, por todas as características relatadas, pelos depoimentos de pilotos, seja provável que por trás desse fenômeno exista alguma inteligência — disse.
Conforme o Estadão, por mais que pareça remeter imediatamente a extraterrestres, a sigla óvni é usada para se referir a qualquer objeto no céu sobre o qual não se saiba a origem natural em um primeiro momento, de acordo com a definição apresentada pelo Arquivo Nacional (Sian), do governo federal.
Quais são as hipóteses de especialistas?
Especialistas apontam que existem diversas hipóteses sobre os registros de luzes, que vão desde fenômenos físicos até elementos mais simples. Além disso, em cada dia pode haver uma explicação distinta.
O professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor em astrofísica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Rogemar André Riffel acredita que uma das principais hipóteses seja a reflexão difusa. Segundo ele, as nuvens podem se comportar como grandes espelhos e a luz que incide sobre elas pode ser refletida, gerando pontos luminosos. Carlos Jung concorda, e complementa que as luzes podem ser originadas de holofotes utilizados, por exemplo, em festas e comemorações.
Outra possibilidade é um fenômeno chamado sprite, que pode ser definido como um evento luminoso transitório e rápido de origem elétrica que ocorre acima das nuvens, quando há iminência de tempestade. Isso explicaria os padrões de aparecimento e desaparecimento rápido e repentino das luzes, como relataram os pilotos.
Explicações como a passagem de satélites Starlink pela atmosfera terrestre não são descartadas pelos dois especialistas, que consideram também uma possível relação das luzes com a passagem de drones, balões atmosféricos e lixo espacial, como já ocorreu em outros relatos de objetos voadores inicialmente não identificados ao longo dos últimos anos.
Em relação às luzes avistadas no céu de Torres, entre segunda e terça-feira, Jung acredita que tenham relação com passagem de algum objeto espacial como um drone, já que o céu estava limpo e sem a presença de nuvens. Nos demais casos, o fenômeno da ilusão ótica também foi cogitado por Jung, considerando que isso poderia ocorrer porque, principalmente durante os voos noturnos, os comandantes perdem a noção de espaço.
A possibilidade de as luzes serem oriundas de meteoros, no entanto, foi descartada por Riffel. Já Odone da Costa descartou a hipótese dos satélites, afirmando que esses objetos são vistos mais cedo e têm um movimento ordenado, diferente daquilo que foi descrito pelos pilotos.
Hernan Mostajo, diretor do Observatório de Astronomia Cosmos, em Itaara, que começou a observar esses fenômenos no final de outubro e montou uma equipe para levantar dados sobre os relatos, chama a atenção para dois fatores: são avistamentos feitos por pilotos, pessoas qualificadas, e estão ocorrendo em grande altitude. Diante disso, descarta algumas possibilidades, afirmando que um drone não consegue chegar nessa altitude e que meteoritos não são visíveis como pontos de luz, que aparecem e desaparecem. Relações com tempestade magnética atmosférica e lixo espacial também são desconsideradas pelo especialista.
— Descartada as possibilidades de fenômenos astronômicos e meteorológicos, partimos para a possibilidade mecânica: será que alguém está usando um canhão de luz? Será que alguém usou um laser astronômico, que é muito potente? Temos na serra gaúcha um grande evento acontecendo, que poderia ser uma fonte dessas luzes. Uma pessoa da nossa equipe já foi designada para verificar isso com base em dados técnicos — afirma, já citando um contraponto:
— Geralmente um canhão de luz deixa um rastro luminoso. É da natureza do piloto saber identificar um canhão de luz. Então, isso talvez seja descartado. Mas hoje temos canhões de luz com alta tecnologia, que podem fazer um reflexo em grande altitude, geralmente em alguma nuvem. Enfim, o avistamento dos pilotos traz uma incógnita, um mistério, que hoje classifico como um fenômeno aéreo não identificado.
Mostajo enfatiza ainda que não se trata de uma pesquisa ufológica, mas sim científica, que exige tempo, preparação e profissionais qualificados para auxiliar na resposta que a sociedade está pedindo.
Já Adolfo Stotz Neto, presidente do Grupo de Estudos de Astronomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor dos cursos de extensão de Astronomia, aposta que são objetos produzidos por seres humanos: satélites, balões meteorológicos, laser, aviões clandestinos, aviões pequenos que não aparecem no radar ou, até mesmo, um drone. Ele justifica que é complexo estimar a distância e altura da luz, então, não se sabe exatamente qual a localização desse objeto luminoso.
As imagens não ajudam a identificar a origem das luzes?
Jung ressalta que muitas imagens divulgadas no ambiente digital são de fontes pouco confiáveis e podem ter ser sido alteradas. Além disso, alguns registros não contam com uma boa qualidade, o que pode também gerar ilusão ótica nos espectadores.
— As imagens estão “contaminadas”. Houve muita divulgação. Vai ser difícil a partir de agora saber o que é real ou não — argumenta o fundador do Observatório Heller & Jung.
O que dizem as autoridades?
Em comunicado enviado à imprensa, a Fraport, administradora do Aeroporto Salgado Filho, informou que não tinha registro sobre os casos. Já a Força Aérea Brasileira afirmou que, nos dias 4 e 5 de novembro, o controle do espaço aéreo “ocorreu dentro da normalidade, não havendo registro de ocorrência aeronáutica no Estado do Rio Grande do Sul. Nenhum objeto desconhecido foi identificado pelos radares de defesa aérea”. A FAB não respondeu ao questionamento da reportagem sobre se haverá uma investigação para apurar o episódio.
O que dizem as companhias aéreas?
Quando consultadas pela reportagem de GZH no domingo (6), as companhias aéreas Azul e Latam não citaram o caso específico das luzes, mas destacaram que seus tripulantes são treinados e orientados a reportarem qualquer eventualidade de forma imediata ao controle de tráfego aéreo:
“A LATAM informa que os seus tripulantes são treinados e orientados a reportarem qualquer eventualidade de forma imediata ao controle de tráfego aéreo para as devidas orientações. A companhia reitera que segue os mais elevados padrões de segurança, atendendo aos regulamentos das autoridades nacionais e internacionais”.
“A Azul informa que seus Tripulantes seguem os mais rigorosos protocolos de segurança e que, qualquer eventualidade, é comunicada imediatamente ao controle de tráfego aéreo e segue para investigação das autoridades competentes”.
Foto: Câmera Porto Alegre Airport / Reprodução/YouTube